Seus textos são tão intensos, líricos, românticos, melancólicos, confessionais e tristes que é impossível não se apaixonar por eles.
A Petit é atriz e já trabalhou em várias peças e curtas produzidos em Porto Alegre e todo mundo da área (re)conhece ela, mas seu talento literário é algo que ainda vai dar muito o que falar.
Quer uma referência pros textos da Petit? Clarice Lispector! Pronto, falei!
E se quiser conhecer o lado cômico da Petit, assista a minissérie PÉ NA PORTA aqui no blog, onde ela interpreta a patricinha Aline.
E claro, não deixe de visitar o blog dela.
À deriva: no mar
Eu gostaria de poder estar no mar
mesmo não sabendo nadar
e boiar...
Deixar que as ondas do mar acalmem meus ouvidos
ou entupam eles com a água do mar.
Até que a água do mar chegue dentro do cérebro
e limpe com o sal
tudo que machuca e preocupa
possivelmente água do mar
você
arderá as pequenas feridas
que se alojam no meu coração
Mar
eu não sei
se é bem no coração,
mas desde pequena me ensinaram que era ali que se instalava o amor e as paixões
Eu queria estar no mar
mesmo detestando o mar,
mas sei que ele me acalmaria
eu ouviria de longe as crianças brincando na areia e catando tatuíras e gritando de medo delas.
Ouviria o corneteiro vendendo picóles
Meu corpo boiaria e teria um homem
tocando piano pra mim na praia.
E a música do piano chegaria aos meus ouvidos
misturada pelo barulho da água do mar
Eu não sei nadar
e talvez sempre afunde
e talvez por isso me sinto afundada agora.
Eu pus uma bóia nos últimos tempos nas costas
para poder flutuar meu corpo na água do mar
Só que a bóia furou
bateu nas rochas do mar
enquanto eu estava ali: curtindo o sol leve
que batia na água e em mim
Eu distraída de olhos fechados
escutando o moço que de longe tocava o piano
não vi a bóia estourar
No momento que a bóia estourou
eu fui para o fundo
com um susto súbito.
Só voltei ao começo do mar
voltei a ver a luz do sol novamente,
pois uma sereia me pegou pelas costas
e me fez retornar
Agora estou eu: À deriva
boiando neste mar
o pianista tocando
e uma espécie de água saindo dos meus olhos
É salgada como água do mar
só que água do mar é beleza demais
e o que sai dos meus olhos é doloroso demais.
E a praia de repente ficou vazia
e as crianças levaram seus baldes com as tatuíras
para as verem morrerem mais tarde
Os vendedores de picóles foram para suas casas
contar quantos picolés de limão ainda existem
e dão de presentes para seus dois filhos, picolés de uva, os seus preferidos
Pois picolé de uva
suja a roupa ao lamber
e mancha
e ao manchar
a mãe vai lavar os pequenos trapos de roupas
e eles se sentirão amados
por que sua mãe se importa em limpar suas pequenas manchas de infância
Será que alguém pode me tirar da água do mar?
Será que alguém pode entender que não é carência?
Que não tem filosofia que explique
Será que alguém pode entender que eu não escolhi instalar um sentimento dentro de mim
já passou tempo demais
e meus braços se acostumaram a ficar abertos ao lado
parecem estáticos
Meu corpo está estático
eu não afundo
eu só bóio
e o sol está indo embora
e o pianista não sabe mais que música tocar
Eu sei que meu pai
está lá
numa cadeira de praia listrada azul
Com seus óculos de sol
e os cabelos grisalhos bem penteados,
pelo pente brega que ele guarda no bolso
Eu queria pai
que você me avistasse no mar
me colocasse no colo
e me perguntasse:
- Que foi,pequena?
Eu diria:
- Nada pai, nada.
e você diria como sempre:
- Isso passa, pequena!
Gostaria de poder te dizer
que eu não fui machucada de novo por outro garoto
que eu não me questiono se sou eu o defeito de tudo
que eu sinto saudades apertadas durante o dia
que eu sinto saudade da paisagem que eu nunca vi daquele quarto dele escuro
do gato mesclado
que eu não sinto falta do xampu Frutics que cheiravam seus cabelos
nem do ar envergonhado que ele tinha ao encher de beijos sua face
nem da camiseta branca que combinava tão bem com aquele corpo
nem das coisas engraçadas, que ele fazia meu estômago ter cócegas
nem do vermelho de suas bochechas, elas ficavam assim e eu nunca perguntei o por que
é pai
eu sinto um vazio
como uma concha que perdeu o molusco
E se eu te disser papai
que há um garoto
na beira do mar
com os pés fincados na areia molhada.
Sendo iluminado ,apenas pela luz da lua
e eu não sei pai, quem ele é
sei que ele é um presente da lua
e ele está lá me olhando
e ele quer muito pai
vir me buscar
só que ele tem os pés fincados demais na areia molhada.
E as mão fechadas demais de medo
e ele olha
e contorce os lábios
e ele carrega uma correntinha de mãe no pescoço
e ele não que crescer papai
pelo menos não ao meu lado.
Ele quer ficar só observando
e esperando que eu fique bem
Só desejando junto à lua
que eu fique bem
E dentro dele pai
mora uma festa de mentira (eu acho)
e ele se enche de risos de garotas sereias
elas beijam seus lábios, pai
e seu sexo fica duro
mas ele não amolece o coração
Eu sinto que uma água salgada ,como as que saem dos meus olhos
saem dos olhos dele também.
Quando ele decidi
repousar a cabeça na espuma das ondas
quando ninguém o vê, pai
ele deixa cair dos olhos, a mesma água salgada que saem dos meus
e ele se esconde na noite, pai
se esconde no meio das garrafas
no meio das pequenas pílulas que trazem alegria
e ele se esconde de mim
e ele se afasta
e só me observa
ao longe
desejando que tudo fique bem
Então papai
quando ele não tiver mais medo
ele vai entrar devagar no mar
sem me assustar.
Repousará o corpo no mar, igualmente o meu
e boiará junto comigo
e nossas mãos se tocarão
e a música do piano tocara mais alto.
Se ele tiver medo ainda, pai
ele pode gritar meu nome
e apenas diga:
- Venha, pequena.
Eu sairei daqui do mar que bóio
e serei coberta pela toalha, da qual ele enxugará meu corpo molhado.
Enxugará meu rosto, que se mistura com água do mar e dos olhos
e ele beijará meu colo pai
e o meio das minhas pernas
e minha testa
e abrira suas mãos tão fechadas
pegará a minha mão murcha já da água
e a aquecerá
E deste aquecer
chegará até meu coração, pai
o meu coração irá se aquecer
e a praia e o mar, pai
ficara só com a lembrança
de uma garota de vermelho
que boiou por muito tempo lá
nas águas do mar