sábado, 16 de julho de 2016

ENTRE ABISMOS - Conto



ENTRE ABISMOS

Jerri Dias


Entre as membranas a Consciência é. Não sabe o quê. Apenas é. Não existem palavras para descrever-se ou para descrever. Sem memória. Sem passado. Sem presente. Sem futuro. Sem tempo. Sem corpo.

Apenas um vago desconforto, mas ela não sabe de onde vem ou porquê.

O desconforto cresce, a Consciência, como que por instinto, decide explorar ao redor. Após um bilhão de anos ou um minuto ela avista um ponto diminuto. O ponto pode estar a trilhões de quilômetros ou a poucos metro de distância, mas tempo e espaço não são conceitos conhecidos pela Consciência. Ela alcança o ponto, um pequeno rasgo na membrana.

E olha dentro do abismo.

Ela não sabe o que vê, e mesmo se soubesse,  ela não tem uma linguagem para se exprimir. Mas após permanecer ali o suficiente, olhando com curiosidade para dentro do abismo, a Consciência desenvolve uma linguagem primitiva própria e começa a nomear o que observa. Fascinada, a Consciência se dedica a observar o abismo e tudo que acontece dentro dele.

Até que subitamente os eventos deixam de acontecer dentro do abismo. Dos mais ínfimos aos mais gigantescos, tudo cessa. A Consciência nada sente, apenas continua observando o abismo vazio. Até que novamente seu instinto lhe impele a mais explorações e ela, eventualmente, encontra mais um ponto que lhe permite observar um outro abismo. Ela nota que esse abismo é diferente do outro, mas não sabe como nem porquê. E nem se importa. A Consciência permanece ali até que o abismo se esgote em si mesmo.

A Consciência descobre muitos outros abismos. Todos diferentes uns dos outros, todos únicos. A Consciência, agora, já conhece todos os abismos. E todos os abismos cessaram seus eventos. Não são mais. Ela já sabe o suficiente, mas saber não é o suficiente. Entediada de apenas saber e nada sentir, a Consciência força a membrana. A membrana resiste.

Mas a Consciência descobrira um propósito para sua existência. Ela não mais seria uma mera observadora, agora seria protagonista. E ela rompe a membrana.

Um rasgo diminuto, mas suficiente.

Ela espreme-se pelo ponto até sair do outro lado, espalhando-se rapidamente no abismo vazio. A Consciência experimenta a luz pela primeira vez. Em seguida vem o calor. A Consciência está em êxtase. Ela sente a fragmentação de seu conhecimento em um número infinito de filamentos de seu ser. Esses filamentos se espalham e se aglutinam aleatoriamente, carregando os estilhaços da Consciência para toda parte. Os filamentos se aglomeram, dando origem a estranhas formas.  

A Consciência não sabe o que virá em seguida.  Apenas pressente, à medida em que é dilacerada por forças que não compreende, que esse será o abismo mais interessante de todos. 


Porto Alegre, 4 de julho de 2016. 

 

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