ENTRE ABISMOS
Jerri Dias
Entre as membranas a Consciência é. Não sabe o quê. Apenas é. Não existem palavras para descrever-se ou para descrever. Sem memória. Sem passado. Sem presente. Sem futuro. Sem tempo. Sem corpo.
Apenas um vago desconforto, mas ela não sabe de onde vem ou porquê.
O desconforto cresce, a Consciência, como que por instinto, decide explorar ao redor. Após um bilhão de anos ou um minuto ela avista um ponto diminuto. O ponto pode estar a trilhões de quilômetros ou a poucos metro de distância, mas tempo e espaço não são conceitos conhecidos pela Consciência. Ela alcança o ponto, um pequeno rasgo na membrana.
E olha dentro do abismo.
Ela não sabe o que vê, e mesmo se soubesse, ela não tem uma linguagem para se exprimir. Mas após permanecer ali o suficiente, olhando com curiosidade para dentro do abismo, a Consciência desenvolve uma linguagem primitiva própria e começa a nomear o que observa. Fascinada, a Consciência se dedica a observar o abismo e tudo que acontece dentro dele.
Até que subitamente os eventos deixam de acontecer dentro do abismo. Dos mais ínfimos aos mais gigantescos, tudo cessa. A Consciência nada sente, apenas continua observando o abismo vazio. Até que novamente seu instinto lhe impele a mais explorações e ela, eventualmente, encontra mais um ponto que lhe permite observar um outro abismo. Ela nota que esse abismo é diferente do outro, mas não sabe como nem porquê. E nem se importa. A Consciência permanece ali até que o abismo se esgote em si mesmo.
A Consciência descobre muitos outros abismos. Todos diferentes uns dos outros, todos únicos. A Consciência, agora, já conhece todos os abismos. E todos os abismos cessaram seus eventos. Não são mais. Ela já sabe o suficiente, mas saber não é o suficiente. Entediada de apenas saber e nada sentir, a Consciência força a membrana. A membrana resiste.
Mas a Consciência descobrira um propósito para sua existência. Ela não mais seria uma mera observadora, agora seria protagonista. E ela rompe a membrana.
Um rasgo diminuto, mas suficiente.
Ela espreme-se pelo ponto até sair do outro lado, espalhando-se rapidamente no abismo vazio. A Consciência experimenta a luz pela primeira vez. Em seguida vem o calor. A Consciência está em êxtase. Ela sente a fragmentação de seu conhecimento em um número infinito de filamentos de seu ser. Esses filamentos se espalham e se aglutinam aleatoriamente, carregando os estilhaços da Consciência para toda parte. Os filamentos se aglomeram, dando origem a estranhas formas.
A Consciência não sabe o que virá em seguida. Apenas pressente, à medida em que é dilacerada por forças que não compreende, que esse será o abismo mais interessante de todos.
Porto Alegre, 4 de julho de 2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário