Bom, ele funciona na base do caos e da organização, como acho que é o processo da maioria das pessoas ditas criativas.
Acho que pra começar, é bom me referir as minhas principais fontes de criatividade:
imagens de revistas, música instrumental (erudita e trilhas sonoras de filmes), matérias sobre os mais diversos assuntos, conversas aleatórias com pessoas de qualquer idade, quadrinhos, teatro, livros e filmes. Ah, elas também vem de sonhos, sonhos são sempre uma fonte riquíssima para mim e já produzi uma graphic novel e um curta com base neles.
Como qualquer profissional da cultura diria, sem ter uma boa (de preferência, vasta) bagagem cultural, fica difícil ser criativo de uma forma original, pois o que se espera de um verdadeiro artista não é que ele fale ou mostre coisas nunca antes ditas ou exibidas, já que isso é praticamente impossível nessa altura da história humana, mas que ele dê sua visão pessoal e procure novos meios de contar ou mostrar uma narrativa.
Essa é a parte caótica do meu processo, não tenho muito controle sobre ela e as ideias simplesmente surgem quando alguma sinapse dá certo no meu cérebro.
Agora, a parte organizada dele, que pode ser tão chata quanto excitante.
Como muitos aqui, sou uma pessoa eclética, me interesso por todo tipo de assunto (ok, confesso que fofocas de celebridades não me interessam) e um pretenso escritor ou roteirista que tenha pouco interesse ou curiosidade pelo mundo e não pesquise sobre tudo o que pretende escrever está na área errada.
Então, ás vezes pode parece chato ter que pesquisar sobre algum assunto técnico do qual entendo pouco ou nada, mas à medida que vou entendendo, começo a vislumbrar novas possibilidades de usar aquilo de outra forma na narrativa, geralmente melhor do que a pensada originalmente.
Uma boa pesquisa resolve bem a parte técnica e dá segurança para escrever sobre os assuntos de que a obra vai tratar, mas não os problemas com personagens ou encruzilhadas em que me coloco quando estou escrevendo e não sei em que direção vou. Ou pior, me vejo em um beco narrativo sem saída.
Quando isso acontece, uso os seguintes métodos:
1) Converso com um ou mais colegas que considero inteligentes e criativos para me ajudarem, assim como ocasionalmente ajudo eles.
2) Fico pensando nos problemas enquanto caminho para fazer às coisas do dia-a-dia. E é impressionante como isso ajuda. Aquele papo de sair de casa para arejar a cabeça realmente funciona.
3) Ao acordar, nossa mente está fresquinha de uma boa noite com o inconsciente correndo livremente e a melhor coisa antes de sair da cama e poluir ela com a rotina do dia é pensar em soluções para conflitos narrativos. Já resolvi muita coisa assim. Ah, também serve para problemas pessoais ;-)
4) Pago um escritor fantasma para escrever no meu lugar. Hehe, este é brincadeirinha. Não tenho dinheiro para isso... :-(
E também tem aquele processo criativo super especial, que ocorre quando estão me pagando para criar em um curto espaço de tempo. Nessas ocasiões em que alguns se entregam ao pânico e pensam em suicídio, eu geralmente fico calmo, pois um cérebro acostumado a criar é como um atleta bem treinado: na hora em que você precisa mostrar serviço, ele funciona. Claro, nem sempre esse tipo de trabalho fica como eu gostaria, mas todo mundo sabe que pouco prazo e alta qualidade não são os melhores parceiros.
Também entra aí a questão de orçamento, quando se trata de curtas, onde tenho que procurar soluções narrativas e visuais para filmar algo da forma mais econômica e criativa possível. No roteiro pode até parecer ser viável, mas às vezes surgem complicações e tenho que criar toda uma cena nova em poucos minutos, pois a máxima “tempo é dinheiro” nunca foi tão verdadeira como num set de filmagem profissional. E nessas horas ajuda muito ter prestado atenção no que os roteiristas e diretores talentosos fizeram em seu filmes, pois tem sempre algo que dá pra adaptar para o meu curta.
Pra finalizar, vou comentar sobre como foi o processo criativo de dois trabalhos meus que curto bastante.
ZARATHUSTRA – Graphic Novel
Gosto muito de escutar trilhas sonoras e música clássica. São muito inspiradoras. E foi escutando a trilha de Powaqaatsi, de Philip Glass, meu compositor erudito contemporâneo preferido (e que tive o prazer de ser cicerone alguns anos trás) que imaginei a premissa para essa graphic novel de FC. A música começava com um som de avião e comecei a me imaginar flutuando entre as nuvens e um Boeing passando pelo local e me avistando. Fiquei imaginando qual seria a reação do piloto e dos passageiros ao ver uma pessoa flutuando entre as nuvens. Em questão de segundos me substituí por uma entidade humanóide não-identificada e comecei a imaginar qual seria a reação do mundo ao descobrir isso. E se a criatura simplesmente ficasse parada lá, sem se comunicar nem fazer absolutamente nada?
Corri para escrever um microconto de uma página sobre o que havia imaginado.
Acabei transformando em um roteiro de HQ de 7 páginas onde, apenas através de imagens eu mostrava um mundo em convulsão social, política, religiosa e científica pelos simples fato de uma entidade humanóide sem rosto pairar nos céus. Um amigo desenhista ilustrou na época, de forma amadora.
Anos depois, encontrei um outro ilustrador, Daniel Moraes, que gostou muito da história e propus a ele que produzíssemos uma graphic novel a partir daquela HQ curta.
Eu já tinha todos os acontecimentos alinhados, só me faltava criar um elo mais humano para contar a história. Decidi que seria o piloto do avião, a primeira pessoa a ver a entidade, e que seguiríamos sua história, de sua irmã e de um padre amigo dele.
Com esses personagens eu poderia falar de perda, fé, religião e esperança sem cair em discursos vazios demais ou cheios de clichê. Entrevistei um iman muito simpático duas vezes na minha pesquisa e tentei entrevistar um bispo, mas tinha que passar por trâmites burocráticos e minha carta sequer foi respondida. Tive que me contentar com entrevistas do clero em revistas, sites e livros.
E como cineasta, prezo muito o valor de uma imagem e evito dizer aquilo que não precisa ser dito, pois acho que o leitor pode muito bem preencher os o que se passa na cabeça dos personagens se ela der pistas suficientes.
Ou mesmo deixar o leitor livre para imaginar o que quiser de determinada cena.
No caso de ZARAHUSTRA, existem muitas páginas sem texto algum e uma seqüência completa de 8 páginas seguidas sem uma linha sequer.
Creio que demorei 5 meses para finalizar o roteiro de 90 páginas. Claro, eu tinha outros trabalhos em andamento, se tivesse me dedicado integralmente teria conseguido completá-lo em metade do tempo.
O resultado foi bastante satisfatório em vários aspectos e a obra recebeu boas críticas, especialmente em relação ao roteiro, mas eu me ressinto de não ter conseguido deixar um final mais claro. Na minha cabeça estava tudo muito bem, mas quando percebi, a maioria dos leitores acreditava em um final que não era o que tinha em mente.
A seqüência de 8 páginas sem diálogos.
Arte de Daniel Moraes.
Clique para ampliá-las.
DESAPARECIDO – Curta
Assim como outras de minhas criações, essa surgiu a partir de um pesadelo onde minha ex-mulher morria. Não lembro se era atropelada ou o quê, mas a sensação de angústia e medo da perda permaneceu comigo por tempo suficiente para que eu escrevesse um roteiro sobre isso. Mas ele tinha que ser um roteiro do gênero fantástico, pois dramas comuns sobre pessoas perdendo entes queridos ou superando a morte dos mesmos existem muitos.
Me veio a ideia de que a pessoa não necessariamente precisaria morrer, mas sim desaparecer da vida outra. Mas teria que ser como se estivesse morta. Lembrei de desaparecidos políticos e em como as famílias, apesar de os saberem mortos, continuam com esperanças, pois uma pessoa desaparecida não dá a pessoa que fica uma resolução, um final, tudo fica suspenso, uma espera eterna.
Então a pessoa desapareceria no meu curta. E seria procurada. E nenhuma pista seria encontrada. Como não seria encontrada? Fazendo parecer com que ela jamais tivesse existido. Acho que essa idéia eu peguei ou busquei no meu inconsciente do filme CIDADE DAS SOMBRAS, onde a memória e a vida das pessoas eram alteradas. E assim como no filme de Proyas, no meu só a esposa do marido desaparecido lembraria de sua existência, mas as provas de sua vida teriam desaparecido física e mentalmente.
Ok, ângulo similar ao longa, mas como trabalhar isso de forma diferente? Cavando mais fundo e fazendo disso um drama fantástico sobre o luto, utilizando as 5 fases do luto descritas pela psicóloga suíça Elisabeth Kubler-Ross. Acabei utilizando apenas quatro, mas elas estão lá, na estrutura do roteiro, o que me facilitou bastante em como dar o ritmo correto para o filme.
Para ajudar ainda mais, decidi criar todo um storyboard fotográfico com as atrizes principais. Isso facilitou a visualização da história por todos os membros da equipe, que conseguiram assim sentir o clima da história antes de vê-la pronta.
No fim das contas, acho que consegui um curta razoavelmente denso e até hoje foi o que mais me deu satisfação em termos de criatividade.
DESAPARECIDO from Jerri Dias on Vimeo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário