quarta-feira, 25 de maio de 2011

O HOMEM QUE QUERIA FICAR DE PÉ - Crônica



Nove e meia da manhã, esperando o Agronomia que não chegava nunca. Do outro lado da Borges, outros como eu esperavam a mesma coisa, só que os deles chegavam. Queria aproveitar o tempo pra ler, mas baixar a cabeça era um risco que eu não podia correr. Comecei a olhar pra parada do outro lado, pra observar as pessoas, não tinha muita coisa pra ver; uma garota fumando, duas velhas conversando sobre crochê ou trocando alguma receita, um homem de meia-idade segurando uma pasta de couro e olhando insistentemente pro relógio e outras simplesmente trocando o peso de uma perna pra outra enquanto enchiam o saco de esperar. Chegaram duas surdas-mudas trocando sinais; sempre quis aprender isso, não que eu tenha amigos surdos, mas seria legal “ouvir” suas conversas sem que eles soubessem. Principalmente essa, que começava a esquentar, uma delas sacudindo com gestos nervosos e fazendo cara de raiva pra a outra, que aparentemente tentava se explicar. Nunca tinha visto uma discussão entre surdos-mudos e aquela estava me entretendo deveras quando o ônibus delas chegou e elas embarcaram.

Acompanhei seu ônibus até ele sumir na lomba do viaduto, olhei as horas, estava atrasado de novo para a aula, azar. Voltei pro meu passatempo e não tinha nada de interessante na parada do outro lado da rua, só esse velho de calção e camiseta sentado no chão uns dez metros da parada. Foi aí que eu percebi que ele estava tentando se levantar, devia estar podre de bêbado. Olhando seu esforço para levantar comecei a achar que não estava bêbado, que era só um velho sem força nos braços e pernas. Apoiando seus finos braços contra o chão, ele tentava se erguer num patético impulso uma, duas, três, quatro vezes. Apoiava-se num só braço na tentativa de virar de lado, ficar de quatro e aí então, erguer-se. Se mal conseguia se manter com dois braços, imagine com um. Desistiu, olhou para os lados, as pessoas passavam por ele, algumas desviando o olhar pra ele mas nenhuma percebendo seu drama. Eu era o único espectador daquele momento patético na vida de um homem. Solidário com ele em pensamento, atravessei a rua, estendi-lhe uma mão amiga e o ergui. A partir daí via-me perguntando se ele precisava de algo mais e ele dizendo que sim, que precisava de ajuda e eu tendo que pegar o meu ônibus acabava decidindo ajudar o velho e ele me perdiria algo que eu não estaria em condições de fazer como levar ele para sua casa numa favela no cú do mundo e eu só queria ir pra minha aula, já estava com excesso de faltas.

O velho, a essa altura tinha percebido uma placa de Proibido Estacionar perto dele e estendia o braço, tentando alcançá-la. Se conseguisse agarrá-la, levantaria-se sem precisar de ajuda. Fiquei contente pelo velho. Após estender o braço algumas vezes em vão, o velho percebeu que tinha que arrastar sua bunda pelo chão pra conseguir chegar até a placa e assim o fez, sua mão agarrou-se firmemente na barra de ferro da placa e ele puxou seu corpo contra a placa. Nada. O velho percebeu que precisaria colocar mais força em seu braço, puxou e seu corpo ergueu-se uns poucos centímetros do chão, manteve-se assim por uns poucos segundos e caiu de novo e eu quase atravessei a avenida desta vez. O velho, sem mais alternativas, estendeu sua mão a um rapaz que passava, o rapaz parou, segurou seu braço, ergueu-o e o calção do velho caiu. O rapaz, constrangido com o velho de cuecas, deixou ele ali, segurando-se na barra de ferro com o calção aos seus pés. As pessoas passavam, algumas riam, outras sacudiam a cabeça em reprovação, a maioria simplesmente ignorava. O velho baixou lentamente seu braço esquerdo, alcançando o calção com dificuldade, vestiu-o e com uma mão no calção e outra na placa de Proibido Estacionar olhou em volta. Largou a placa e caminhou lentamente até um banco e sentou. Meu ônibus finalmente chegou, embarquei e meu último olhar para o velho viu-o deitar-se sobre o banco para dormir. Abri minha pasta e peguei um livro para estudar, ia chegar atrasado na aula.


Porto Alegre, maio de 2003.


ENQUANTO ISSO...

De 2009 pra cá tenho sido entrevistado pela Denise Lima, do curso de Jornalismo da faculdade Veiga de Almeida de Cabo Frio (RJ), que escreveu uma monografia sobre os meus dois blogs, esse e o do site da CAPRICHO.
Já havia sido citado antes em uma monografia sobre a revista CAPRICHO, mas nunca imaginei que iriam fazer uma sobre o meu trabalho.
O título é...
COMUNICAÇÃO NA BLOGOSFERA:
Blog do Jerri Dias como ferramenta jornalística e comercial

Se ela liberar, depois posto uma palhinha aqui.


300.000 Leitores!


Na verdade, 90% devem ser leitoras... ;-)

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