Aos oito, nove anos de idade eu desenvolvi um grande interesse por dinossauros. Não lembro como nem porque isso começou ou como descobri que “monstros gigantes” já haviam caminhado pela Terra, mas certamente deve ter sido entre meus 4 e 6 anos de idade. Tenho duas hipóteses: 1) eu posso tê-los visto em algum documentário antigo, lembro de um ou outro exibido na Sessão da Tarde. Sim, nos anos 70 exibiam documentários sobre mundo animal na Sessão da Tarde! 2) Antes de aprender a ler, meus pais liam para mim quadrinhos da Mônica e da Disney. E para quem conhece, o Maurício de Souza tem um personagem chamado Horácio, que é um Tiranossauro vegetariano. Talvez tenha sido em uma dessas sessões noturnas de leitura que meu pai ou minha mãe tenham me dito que os dinossauros que apareciam nos quadrinhos tinham existido de verdade. E lembro que dinossauros eram criaturas recorrentes nas aventuras de Donald e companhia.
Mas a literatura sobre dinossauros para uma criança era um pouco escassa na época, e bonecos de dinossauros idem. Mas ainda assim, eu sempre conseguia encontrar um ou outro na Feira do Livro de Porto Alegre ou na Biblioteca Lucília Minssen (hoje localizada na Casa de Cultura Mário Quintana em Porto Alegre). Ainda tenho na minha estante meu primeiro livro infanto-juvenil sobre o tema, COMO DESCOBRIMOS... OS DINOSSAUROS?, de Isaac Asimov, um autor que mais tarde teria grande influência em meu interesse pela ficção-científica e ciência. Li esse livro em 1976 e nos anos seguintes devorei vários outros, e continuo lendo-os. Não com a regularidade da minha infância, mas tento me manter mais ou menos atualizado.
Capa do original americano. Igual a nacional.
Mais ou menos ao mesmo tempo em que fiquei conhecendo os dinossauros, também tomei conhecimento da megafauna, que é como se denominam os mamíferos gigantes que habitaram a Terra por cerca de 65 milhões de anos cujas centenas ou milhares de espécies se extinguiram entre meros 22 e 10 mil anos atrás, na última era glacial que cobriu boa parte do planeta. Para ter idéia do que foi esse evento, a região de São Paulo estava soterrada por uma camada de cerca de cinco quilômetros de gelo.
Pois bem, e juntando a era glacial que acabou com a megafauna, o meteoro que detonou os dinossauros e as erupções vulcânicas submarinas e terrestres que mataram 90% de toda a vida do planeta antes dos dinossauros surgirem, era fato entendido e aceito que todas as espécies de animais que viveram nessas épocas estavam extintas. Bem, o tempo, exploradores e os avanços da ciência provaram que não é bem assim.
Em primeiro lugar, posso citar uma espécie de animal que está por aí há 450 milhões de anos e que nos últimos milhões de anos sofreu poucas alterações físicas: o tubarão. Apesar de muitas espécies desse peixe terem sido extintas, como o Megalodon, várias outras continuam por aí.
A baleia-azul e o Tubarão-baleia são hoje consideradas espécies remanescentes da megafauna. E sem entrar no terreno dos insetos, a águia Haast, que viveu na Nova Zelândia até 700 anos atrás era 40% maior do que a maior águia atual. Ela convivia junto com a Moa, um pássaro sem asas que media entre 3 e 4 metros de altura e que foi extinto no século XV. Ambos provavelmente extintos pela tribo maori. Quem disse que é só homem branco que destrói o meio ambiente?
Uma Moa em comparação com um humano.
Mas agora imagine um peixe primitivo cujos fósseis datam de 400 milhões de anos e que acreditava-se extinto há 65 milhões de anos? Talvez a descoberta mais fantástica da criptozoologia do século XX tenha sido feita em 1938, quando um grupo de pescadores na África do Sul pescou um estranho peixe de cerca de um metro de comprimento (ele pode atingir até 1,8 m). Ninguém sabia que peixe era esse, mas por sorte a especialista em peixes Marjorie Courtenay-Latimer estava lá para coletar exemplares de peixes para o Museu de História Natural de Londres. Ela imediatamente reconheceu o celacanto de desenhos de antigos fósseis. De lá pra cá, duas espécies diferentes de celacanto já foram descobertas. Eles agora sofrem risco de extinção definitiva por conta da pesca profunda com rede de arrasto, o tipo de pesca que pode acabar causando extinção em massa em boa parte dos mares, pois nada escapa dessas redes e 80% dos seres vivos que elas pegam é jogada morta de volta ao mar por não serem do interesse gastronômico do homem.
Um celacanto vivo! Há 400 milhões de anos por aí, mas com corpinho de 10 anos.
Expostos os exemplos acima, muita gente acredita que ainda podem existir mais fósseis vivos por aí. Desde dinossauros como o suposto Monstro do Lago Ness, na Escócia, e uma suposta espécie de saurópode nas florestas da África. Bem, não se sabe quanto tempo um dinossauro podia viver, mas certamente não viviam milhões de anos e se tais animais existissem, deveriam haver centenas ou dezenas deles para que pudessem continuar se reproduzindo durante esse tempo todo. O que inviabiliza um pouco a existência de animais tão grandes andarem livres por aí sem uma prova decente de sua existência até o momento.
Mas na região do Amazonas, talvez seja uma questão diferente. Com milhares de quilômetros quadrados de território inexplorado e até mesmo com tribos que ainda não tiveram contato com o homem branco, as chances de se encontrar animais desconhecidos (de insetos a mamíferos) são relativamente boas.
Alguns anos atrás, meu amigo Pedro Zimmermann me emprestou um livro sobre criaturas fantásticas do Brasil. A maior parte do livro tratava de lenda como o boto, boitatá e similares. Mas duas coisas me deixaram extremamente intrigado ao ler este livro. Uma foi um relato do século XVII de dois exploradores portugueses ou espanhóis que relataram ter visto um lagarto bípede do tamanho de um homem. Segundo eles, o animal os viu e saiu correndo rapidamente sobre as duas patas. Claro, eles podem ter confundido uma ave sem asas com um lagarto, mas acho um tanto improvável. Quase tanto quanto acho improvável um dinossauro desse tamanho ter sobrevivido. Mas o relato não deixa de causar arrepios quando lido. O outro trecho do livro foi uma ilustração feita pelo frei André Thevet em 1555, em sua visita ao Brasil.
“Fera que vive do vento”, André Thevet, 1555.
Como se pode ver, ele ilustrou preguiças de tamanho normal penduradas nas árvores e uma outra preguiça de proporções gigantescas. Os historiadores em geral não dão importância para essa ilustração e a atribuem ao exagero dos antigos ilustradores, que também costumavam ilustrar cenários marinhos povoados de monstros enormes. Mas se o objetivo era apenas exagerar, porque mostrar a criatura amarrada a uma árvore? Isso nos leva a crer que a ilustração tem uma história: uma em que a criatura foi caçada e capturada pelos índios. A criatura parece pacífica e até mesmo domesticada na ilustração, dada a presença de crianças próximas a ela.
Mais ou menos na mesma época o Fantástico exibiu uma matéria sobre a possível existência de megatérios na Floresta Amazônica. Eu logo associei com a ilustração de 1555.
Bem, para quem não sabe, o antepassado das preguiças foi uma preguiça gigante chamada Megatério e na América do Sul existiram algumas espécies dele. E sabe-se que eles se extinguiram há apenas 10 mil anos. Alguns arqueólogos acreditam mesmo que eles conviveram com os primeiros habitantes indígenas do Brasil e que esses podem ter causado sua extinção, já que o animal era grande, pesado e locomovia-se devagar. Ele podia ser um adversário formidável em uma luta corpo à corpo contra predadores, mas nada poderia fazer contra pedras, flechas e lanças.
O Megatério podia ter até 3 metros de altura.
Mas existe a lenda do Mapinguari. Quem vive no norte do país a conhece. Um animal grande e peludo de supostos 2 metros de altura, que pode ficar de pé e que é avistado há centenas de anos e continua sendo até hoje, tanto por indígenas quanto pelo homem branco. Como as pessoas geralmente saem correndo do animal, os relatos são imprecisos e muitas bobagens supersticiosas são ditas sobre a suposta criatura.
Ilustração baseada em depoimentos de "testemunhas" do lendário Mapinguari.
Mas já no final do século XIX, o paleontólogo argentino Florentino Ameghino sugeriu que o Mapinguari pudesse ser uma espécie de megatério.
E ano passado, o cientista Pat Spain exibiu um documentário no NatGeo sobre o Mapinguari. Infelizmente o You Tube apagou o vídeo de seu servidor, mas existem vários sobre a criatura no You Tube.
Depois de assistir o documentário, percebi que Pat Spain nem David Oren haviam mencionado a ilustração de Thevet, basicamente a única “prova” da provável existência do animal na época do descobrimento.
Decidi procurar a ilustração na internet e percebi que nenhuma matéria ou blog sobre a lenda do Mapinguari ou sobre o Megatério citavam ou exibiam tal ilustração. Resolvi, então, enviar o link da foto para Pat Spain e por sorte o encontrei no Facebook. Traduzi o texto e postei a foto em seu mural. Ele curtiu, mas não mencionou se conhecia ou não a ilustração. Depois de algum tempo, decidi então contatar o ornitólogo David Oren, biólogo da Universidade de Harvard e gerente científico da Nature Conservancy do Brasil. Intrigado pela lenda do Mapinguari e por acreditar firmemente na teoria do Megatério, ele empreendeu duas expedições selva amazônica adentro para tentar encontrar a criatura. Infelizmente, sem sucesso.
Fiquei muito feliz ao ver que um cientista importante e ocupado como ele pode se dispor a me enviar um e-mail de agradecimento, mesmo eu não tendo contribuído em nada, mas creio que ele ficou contente com minha solidariedade à sua causa e minha tentativa de ajuda.
E é por coisas como essas que eu não canso de ficar cada vez mais admirado com a internet, um lugar onde tanto conhecimento e cultura estão expostos a todos e até mesmo a possibilidade falar ou manter contato com cientistas ou artistas que sem ela seriam completamente inacessíveis a leigos como eu ou você. Ao mesmo tempo também me espanta que milhões de pessoas nunca a tenham usado para nada além de ver bobagens e propagar ignorância e preconceito. É como estar em uma biblioteca infinita e ficar lendo o horóscopo do jornal.
Mas para finalizar, o Mapinguari/Megatério, se ele existe, com a caça por índios de tribos desconhecidas e prováveis encontros com garimpeiros clandestinos que talvez os matem a tiros, é provável que existam poucos a essa altura, e devido a diminuição de seu habitat natural, eles sejam menores que seus antepassados. Mas ainda assim, eu espero estar vivo no dia em que anunciarem a descoberta de megatérios na selva amazônica e torço para que eles sejam deixados em paz e a que sua captura seja feita apenas através das lentes de câmeras para que possamos nos maravilhar e surpreender com a capacidade de sobrevivência de uma criatura tão bela e única.
Nunca me interessei por dinossauros. Tenho nojo, medo, asco. Não sei direito. Só sei que não gosto... Beijo
ResponderExcluirMapinguari parece o bicho mais bizarro da história.....Aquilo ali é a boca mesmo?
ResponderExcluirtem CERTEZA que não é uma FÊMEA?
Notável! tenho um interesse enorme pelos mega-mamíferos que tenho visto reconstruidos nos museus do mundo. Espero que com as pesquisas sobre o DNA, alguns deles possam ainda voltar a caminhar pelo planeta. E que o mapinguari continue a resistir escondidinho.
ResponderExcluirRocky