Sexta-feira, início de noite. Jorge aguarda a cerveja que pediu ao garçom mal-humorado há pouco. Conta o dinheiro. Dá pra duas. A cerveja chega gelada e espumante. Jorge segura o copo e brinda à mesa vazia:
- Dez anos... Quem diria, hein?
E Jorge chora.
Itaimbézinho, 10 anos atrás:
...e Jorge atira. E erra. Uma onça. Jorge tem certeza que era uma onça. Luiz dizia que não havia onças no Itaimbézinho, no máximo capivaras. Mas Jorge insistiu e eles foram. Junto com Borges, que também se revelou um tanto cético com a informação. "Mas se for verdade e outros a pegarem...", disse Jorge, e foi o suficiente para convencê-los.
Há uma hora Jorge perdera o contato com eles. "Será que pegaram a onça?", pensa Jorge. "Não, eu é que vou pegá-la." Um tiro. Dois. Movimento na mata. "O que é? Algum outro achou a onça?" À sua frente, no meio do mato, algo passa correndo. "É a onça! E Jorge atira. E algo cai. Jorge percebe mais movimento entre os arbustos distantes, mas não dá importância. Ele quer ver sua presa.
É Luis. Luis é sua presa. Jorge vê o grande buraco no peito e o olhar surpreso de Luis. Jorge não sabe o que fazer e nem como estancar o sangue. Tenta colocar suas mãos no peito sangrento do amigo. Luis segura sua camisa, quer dizer algo. Jorge escuta um gargarejo horrível. Luis está morto. "Meu Deus," pensa Jorge, "eu matei o Luis! Matei o meu melhor amigo! O que é que vou dizer pra Lucia? Lucia, desculpe, matei o Luis. Eu queria estar morto..."
Borges aparece, ofegante, logo após e vê o corpo de Luis. "Como?", pergunta, engasgando-se. "Não sei! Foi um desse putos que atiram em qualquer coisa!"
Porto Alegre, hoje:
De cabeça baixa, Jorge admira a sujeira da toalha cinza da mesa. Recebe um tapinha no ombro direito e se volta. Alguém puxa a cadeira à sua esquerda.
- Oi.
É Luis. Jorge pensa que finalmente aconteceu. Ele ficou louco.
- Ah, você tá pensado que ficou louco. Não ficou, não.
- Ha!...
- Ha!, o quê?
- Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!
- Não tem graça.
- Como não tem? Você tá vivo aí na minha frente! E eu penei remorso durante dez anos por tua... Espera! Eu fui no teu enterro! E eu te vi morrer!
- É, tá certo. Nã precisa gritar por causa disso.
- ...
- Vamos, fale alguma coisa. Vamos bater papo.
- Bater papo...
- É! Bater papo, comemorar o meu aniversário. Não fazem dez anos, hoje? Então. A gente costumava vir aqui, não é? Eu, você, o Borges...
- O Borges morreu. Faz mais de dois anos...
- E eu não sei?
- Ah, é, esqueci. Vocês devem se ver bastante agora, não?
- Até que não. O Borges anda meio chato. Ele sempre foi meio morto. Ha! Ha!
- E você continua com seus trocadilhos medonhos.
- É, tem coisas que nem matando. Ha! Ha! Ha!
- Você me parece bem, Luis. Como é lá... lá...
- Lá é legal. Pede uma céva.
- Garçom, mais uma!
- Que bom te ver, Luis..., quero dizer, eu...
- Olha a céva!
- ...
- Um brinde! Às caçadas!
- Eu não caço mais.
- Bom, então à tua mulher! Ha! Ha!
- Eu me divorciei...
- Pô, cara, eu venho de longe só pra ouvir notícia ruim! Por quê?
- Por tua causa, cara. Ela não aguentou o meu remorso. Eu me tornei uma pessoa amarga. Eu disse que outro caçador tinha te matado e eles não tiveram como achar o culpado porque metade dos caçadores do vale usava o mesmo tipo de arma.
- E daí?
- Porra, cara! Eu menti! Eu fiquei livre! Eu não paguei pelo meu crime! Eu te matei!
- Não precisa gritar...
- Como não precisa? Eu tô com esse troço preso na garganta já faz dez anos e você vem me dizer pra não gritar! Vai à merda!
- As pessoas tão olhando. Senta.
- Tá! Tá! Eu tô calmo. Eu tô calmo...
- Pra quê tudo isso?
- Luis, me desculpa, cara. Eu juro que foi sem querer. Eu não queria...
- Eu sei, cara. Dez anos é muito tempo. Pode relaxar, agora.
- Você me perdoou?
- Claro, né? Daqui a pouco você ia começar a chorar...
- Então me dá um abraço.
...
- Agora, o nosso brinde. À Vida!
- À Morte!
- Agora, vê se dá um jeito nessa tua vida, cara. Tá legal?
- Tá. Hã... Luis?
- Fala.
- Porque esse encontro? Porque eu? Porque nós?
- Sei lá. Vai ver são os nossos nomes... Quem sabe?
- Luis...
- Eu estou atrasado...
- Eu só queria saber... O quê você ia me dizer quando morreu?
- Ah, aquilo?
- É!
- Eu ia dizer que você tinha razão. Eu vi a onça.
- Dez anos... Quem diria, hein?
E Jorge chora.
Itaimbézinho, 10 anos atrás:
...e Jorge atira. E erra. Uma onça. Jorge tem certeza que era uma onça. Luiz dizia que não havia onças no Itaimbézinho, no máximo capivaras. Mas Jorge insistiu e eles foram. Junto com Borges, que também se revelou um tanto cético com a informação. "Mas se for verdade e outros a pegarem...", disse Jorge, e foi o suficiente para convencê-los.
Há uma hora Jorge perdera o contato com eles. "Será que pegaram a onça?", pensa Jorge. "Não, eu é que vou pegá-la." Um tiro. Dois. Movimento na mata. "O que é? Algum outro achou a onça?" À sua frente, no meio do mato, algo passa correndo. "É a onça! E Jorge atira. E algo cai. Jorge percebe mais movimento entre os arbustos distantes, mas não dá importância. Ele quer ver sua presa.
É Luis. Luis é sua presa. Jorge vê o grande buraco no peito e o olhar surpreso de Luis. Jorge não sabe o que fazer e nem como estancar o sangue. Tenta colocar suas mãos no peito sangrento do amigo. Luis segura sua camisa, quer dizer algo. Jorge escuta um gargarejo horrível. Luis está morto. "Meu Deus," pensa Jorge, "eu matei o Luis! Matei o meu melhor amigo! O que é que vou dizer pra Lucia? Lucia, desculpe, matei o Luis. Eu queria estar morto..."
Borges aparece, ofegante, logo após e vê o corpo de Luis. "Como?", pergunta, engasgando-se. "Não sei! Foi um desse putos que atiram em qualquer coisa!"
Porto Alegre, hoje:
De cabeça baixa, Jorge admira a sujeira da toalha cinza da mesa. Recebe um tapinha no ombro direito e se volta. Alguém puxa a cadeira à sua esquerda.
- Oi.
É Luis. Jorge pensa que finalmente aconteceu. Ele ficou louco.
- Ah, você tá pensado que ficou louco. Não ficou, não.
- Ha!...
- Ha!, o quê?
- Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!
- Não tem graça.
- Como não tem? Você tá vivo aí na minha frente! E eu penei remorso durante dez anos por tua... Espera! Eu fui no teu enterro! E eu te vi morrer!
- É, tá certo. Nã precisa gritar por causa disso.
- ...
- Vamos, fale alguma coisa. Vamos bater papo.
- Bater papo...
- É! Bater papo, comemorar o meu aniversário. Não fazem dez anos, hoje? Então. A gente costumava vir aqui, não é? Eu, você, o Borges...
- O Borges morreu. Faz mais de dois anos...
- E eu não sei?
- Ah, é, esqueci. Vocês devem se ver bastante agora, não?
- Até que não. O Borges anda meio chato. Ele sempre foi meio morto. Ha! Ha!
- E você continua com seus trocadilhos medonhos.
- É, tem coisas que nem matando. Ha! Ha! Ha!
- Você me parece bem, Luis. Como é lá... lá...
- Lá é legal. Pede uma céva.
- Garçom, mais uma!
- Que bom te ver, Luis..., quero dizer, eu...
- Olha a céva!
- ...
- Um brinde! Às caçadas!
- Eu não caço mais.
- Bom, então à tua mulher! Ha! Ha!
- Eu me divorciei...
- Pô, cara, eu venho de longe só pra ouvir notícia ruim! Por quê?
- Por tua causa, cara. Ela não aguentou o meu remorso. Eu me tornei uma pessoa amarga. Eu disse que outro caçador tinha te matado e eles não tiveram como achar o culpado porque metade dos caçadores do vale usava o mesmo tipo de arma.
- E daí?
- Porra, cara! Eu menti! Eu fiquei livre! Eu não paguei pelo meu crime! Eu te matei!
- Não precisa gritar...
- Como não precisa? Eu tô com esse troço preso na garganta já faz dez anos e você vem me dizer pra não gritar! Vai à merda!
- As pessoas tão olhando. Senta.
- Tá! Tá! Eu tô calmo. Eu tô calmo...
- Pra quê tudo isso?
- Luis, me desculpa, cara. Eu juro que foi sem querer. Eu não queria...
- Eu sei, cara. Dez anos é muito tempo. Pode relaxar, agora.
- Você me perdoou?
- Claro, né? Daqui a pouco você ia começar a chorar...
- Então me dá um abraço.
...
- Agora, o nosso brinde. À Vida!
- À Morte!
- Agora, vê se dá um jeito nessa tua vida, cara. Tá legal?
- Tá. Hã... Luis?
- Fala.
- Porque esse encontro? Porque eu? Porque nós?
- Sei lá. Vai ver são os nossos nomes... Quem sabe?
- Luis...
- Eu estou atrasado...
- Eu só queria saber... O quê você ia me dizer quando morreu?
- Ah, aquilo?
- É!
- Eu ia dizer que você tinha razão. Eu vi a onça.
março de 1992
perfeito Jerri *0*
ResponderExcluirEu acho que entedi ;´P
Seu blog é muito bom. vvou visita-lo mais vezes.meu blog é marthamaders@hotmail.blogespt.com
ResponderExcluirCara, gostei. Mas não entendi o final, por isso que gostei mais ainda. :D Eu faço uns, se quiser da uma olhada no meu blog. Vou visitá-lo mais.
ResponderExcluirbelo conto.
ResponderExcluirAge of Empires? tri! Já joguei algumas vezes, mas não me prende a atenção..Sou viciada em Street Fighter (com dois controles, jogar sozinha é um tédio.) e Super Mário..se der, passo dias jogando! hahaha
Também gosto bastante de The Sims 2, mas pra PC..no PS II é chato demais.